Indie Sleaze: Alexa Chung e a volta hipster
A volta antecipada do movimento Indie Sleaze mostra que a nostalgia é a resposta humana diante das incertezas em um mundo cada vez mais veloz
Para quem não sabe, o Financial Times tem uma coluna excelente sobre Moda e Estilo, que também aborda temas relacionados à cultura, wellness e comportamento. Eu adoro e leio sempre. Esses dias eu me deparei com um texto inspirador da Alexa Chung, e tenho certeza que muitas pessoas, assim como eu, vão se identificar, mesmo se não tiverem morado em Londres e muito menos participado diretamente da cena sobre a qual ela escreve.
O texto fala sobre a era Indie Sleaze (aka era dos hipsters), que remete aos idos de 2006 - 2012. Esse movimento era bem popular em nichos nos Estados Unidos e no Reino Unido (e em outros países, rs). Foi descrito por alguns como uma resposta otimista à Grande Recessão de 2008/9, que o Brasil não vivenciou de perto. Esse período foi marcado por roupas acessíveis (no exterior; em 2004 surgiu a Moda Fast Fashion), fotografia amadora com flash (ah, as cybershots), hedonismo, niilismo, surgimento de várias bandas indies…
Do ponto de vista das trends, pode parecer um pouco cedo para estarmos falando dessa época. Não é à toa que peças e tendências do início dos anos 2000 (anos 2000 = y2k) estão em alta - isso está dentro do padrão, objetos de decoração, design e moda têm uma propensão a voltar a cada vinte anos. Mas desde a pandemia estamos inseguros, apareceu o Tik Tok e o avanço da tecnologia também causa uma sensação de que tudo está bem mais acelerado. Paralelamente, estamos vivendo uma crise econômica e uma guerra, e tudo isso traz mais incertezas e medo do futuro. Isso fez com que as pessoas refletissem muito sobre saúde mental, prioridades e deixou todo mundo sentindo falta dos “velhos” tempos. Estamos mais nostálgicos, e já com saudades do idos de 2010.
O texto dela abre com esse parágrafo:”Tornou-se evidente que a natureza cíclica da moda atingiu uma velocidade galopante no ano passado, quando surgiu uma série de artigos anunciando o retorno de uma estética “Indie Sleaze”. Assim que entendemos o ressurgimento de uma tendência do início dos anos 2000 para sobrancelhas excessivamente tiradas, parecia que a Geração Z estava ocupada escavando fotos de festas de meados ao final dos anos 2000 e colocando-as no TikTok. Eu nunca tinha ouvido o termo Indie Sleaze até que fui marcado em várias fotos minhas ligeiramente assustadoras por uma conta do Instagram com o mesmo nome. Ao ver uma cara de bebê fingindo fumar em um vestido de veludo marrom que prendi com fita adesiva, entendi que
Indie Sleaze era um termo inventado recentemente sendo aplicado retroativamente a um conjunto de noites em boates bagunçadas envoltas no amanhecer do MySpace.”
Eu era muito ativa no Myspace e preciso dizer, realmente a saudade bateu forte dessa época da internet e desses anos. O perfil do Myspace tinha um player de música, bicho. A rede unia amantes da fotografia, arte, artistas e produtores e fãs de música.
A criadora da conta @indiesleaze no Instagram, que já tem mais de 143 mil seguidores, é uma canadense/editora de vídeo chamada Olivia V. Segundo minha amiga Alexa, ela sentiu que essa era uma década “ainda não claramente definida ou revisitada”.
No feed tem uma explosão de fotografias com flash tiradas de sites como Flickr, Tumblr e Photobucket, e emprestadas do The Cobrasnake, um fotoblog seminal (“seminal” sendo literalmente o adjetivo perfeito no sentido figurado), editado pelo fotógrafo Mark Hunter que a Alexa (e muitos de nós) costumávamos verificar constantemente. “O site traz vários famosos da época “cobertos de suor e glitter, não posando obedientemente para a câmera, mas festejando com um abandono inconsciente”. Talvez hoje boa parte dessas sub e celebridades fossem classificadas influenciadores.
Confesso que pausei a leitura quando cheguei nessa parte porque lembrei que eu andava recebendo emails do Photobucket comunicando que a minha conta ia expirar. Eu entrei na minha conta, e me deparei com várias pastas de fotos e momentos que remetem exatamente ao que ela descreveu. Talvez isso já fosse um sinal de que o mundo estava se tornando mais homogeneizado.
Rapidamente salvei tudo que pude, e apesar de identificar um pouco de rebeldia e hedonismo, ri pela inocência daqueles tempos: tirávamos as fotos com câmera digital e postávamos quase tudo sem edição e nem vergonha de registrar, também, momentos etílicos contagiantes.
Lovefoxxx, do CSS, explicando como funcionava o fotolog
Hoje esse lifestyle ainda não é tão comentado, ele é um pouco contraditório e caiu no mainstream, mas ainda tem força, e combina com o momento atual, afinal, qual a melhor forma de enfrentar uma recessão e uma crise climática do que com um retorno ao vintage e à moda DIY (faça-você-mesmo)?
Os hipsters trouxeram pra superfície estilos de roupas há muito esquecidos, marcas artesanais de cerveja, cigarros e música independente. O retrô era cool, o meio-ambiente era precioso e o antigo era o novo “novo”. Parte deles já falava em viver de forma sustentável e comer grãos orgânicos. Acima de tudo, queriam ser reconhecidos por serem diferentes, autênticos – divergir do mainstream e criar um nicho cultural só para eles.
Para a a it-girl inglesa, vale revisitar a época pelo seu charme casual:“[…] o que emerge das lantejoulas e lenços finos de uma era muito recente - particularmente quando justapostos com o apetite atual por tendências de “clean girls” e o tipo de moda homogeneizada que apenas um algoritmo poderia impor -
é como todos pareciam muito diferentes uns dos outros. Como uma festa à fantasia cujo tema eram drogas.
Alcançar o visual dos seus sonhos era uma busca barata e a caça ao tesouro no labirinto de lojas vintage do leste de Londres fazia parte da diversão. […] Cada pessoa que eu conhecia tinha algo da American Apparel e, no entanto, nunca parecíamos os mesmos.”
As marcas de luxo não significavam nada para as pessoas. “A cultura da influência ainda engatinhava, e a busca pela individualidade do mundo real se sobrepunha às etiquetas das roupas” - Bunny Kinney, diretor criativo, canal Nowness.
De 2020 para cá, o movimento ganhou força nas redes sociais. Depois de suportar uma pandemia que nos obrigou a ficar confinados em casa, “sair” parece mais tentador do que nunca. E bem como o texto diz, fica fácil adotar esse visual a partir do que você já tem, ou pegar emprestado do guarda-roupa de amigos, pais, parentes. A estética é formada principalmente por “roupas retrô vintage combinadas com meia-calça rasgada, jeans skinny, camisetas grandes e roupas sujas/desgastadas”.
Segundo a Olivia, um indicador de que o Indie Sleaze voltou “é o fato de que muitas das grandes bandas e artistas da época lançaram novos álbuns ou músicas em 2022. The Yeah Yeah Yeahs, MIA, Arctic Monkeys, Hot Chip, Uffie e Metric lançaram novos álbuns recentemente”, inspirados no eletroclash e bloghouse.
Na próxima semana vem a parte II, falando sobre marcas dessa época e música indie.
Se identifica com o período? Conta pra mim :)
Nossa, lembro muito bem desse período, apesar de não me identificar com essa galera aí hehe Fico me perguntando se as pessoas eram tão diferentes assim entre si. Acho que essa é uma percepção de quem estava dentro do movimento. Quem estava fora, provavelmente, achava todo mundo igual hehe